Artigo de Opinião por Marta Lourenço, Head of Portfolio Solutions SE Cluster and Valuation Advisory na JLL
Insight
Inflação, juros e ondulação de investimento: que perspetivas para os créditos não produtivos?
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No fim do mês de novembro, realizou-se, em Madrid, a Conferência Ibérica de NPL´s organizada pela Smith Novak. Foram vários os temas discutidos, entre os quais, o estado atual do mercado imobiliário e do mercado de NPL’s (em inglês, non-performing loans e em português créditos não produtivos, o mesmo que dizer empréstimos bancários realizados que não foram devidamente pagos ao longo de 90 dias).
Relativamente à atual conjuntura no mercado em Portugal, o panorama é desafiante. De facto, houve um entendimento geral de que os próximos meses irão trazer desafios adicionais, os quais estão diretamente relacionados com as seguintes questões:
- Aumento da inflação, com o consumo privado a ser revisto em baixa, à medida que o poder de compra for sendo afetado, com consequências no mercado, principalmente no mercado de retalho;
- Aumento das taxas de juro, fazendo com que haja uma retração no mercado de investimento, com impacto direto nos retornos de capital exigidos por investidores (imobiliário comercial) e aumento das prestações de juros de crédito à habitação (mercado residencial);
- Incerteza de mercado, o que contribui para a não tomada de decisão por parte dos investidores e pode levar a uma estagnação de mercado.
O aumento das taxas de juro é visto como o fator que mais impacto pode ter no mercado imobiliário tradicional, bem como no mercado de NPL´s. Por um lado, no mercado de investimento tradicional, o aumento das taxas de juro leva a um aumento do custo de capital e consequente aumento das yields, fazendo com que o pricing seja ajustado em baixa. No mercado de habitação/residencial, este aumento afeta diretamente o custo de financiamento de habitação, fazendo com que as prestações de juros do crédito à habitação aumentem.
- Marta Lourenço, Head of Portfolio Solutions SE Cluster and Valuation Advisory na JLL
De facto, num país como Portugal, onde 85% do crédito concedido para habitação está indexado a taxas de juro variáveis, as oscilações na Euribor podem e têm, efetivamente, um impacto significativo no custo do crédito, não só para individuais, como também para empresas.
Apesar destes desafios, notou-se, no entanto, um otimismo relativamente à forma como Portugal poderá vir a ser impactado pela atual conjuntura quando comparado com outros países. Esse otimismo deriva essencialmente dos seguintes factos:
- Baixa taxa de desemprego, atualmente nos 5.8% (Q3 2022);
- PIB é esperado crescer 6,6% em 2022;
- Menor exposição à guerra da Ucrânia;
- Poupanças das famílias mais altas quando comparada com crises anteriores;
- Os bancos estão muito mais bem preparados face a crises anteriores. De facto, o rácio de crédito malparado hoje em dia é de 3.6% versus 15% em 2015;
- E por fim, o total de crédito concedido para habitação totalizou 15.3 mil milhões de euros versus 28 mil milhões de euros de transações, evidenciando que o grau de alavancagem está bastante menor.
Neste sentido, é de opinião transversal que os desafios são reconhecidos, mas que Portugal está em melhor posição para os encarar do que em anos anteriores. Para além dos fatores mencionados anteriormente, o nosso país tem também fatores intrínsecos que não vão mudar com uma eventual crise e isso já ficou espelhado durante os primeiros meses da guerra da Ucrânia e também no Covid, onde Portugal se viu menos impactado quando comparado com outros países. São fatores que têm vindo a ser enaltecidos por nós e pela comunidade internacional nos últimos anos e que têm posto Portugal na ribalta do investimento estrangeiro, nomeadamente a qualidade deste país para se viver e trabalhar, a sua posição geográfica no mundo e na Europa, o clima, a segurança, a qualidade do stock imobiliário residencial e comercial, a oferta de serviços de saúde e de educação, entre outros.
Nesta conferência foi ainda abordado o tema do pipeline e perspetivas futuras de transações no mercado de NPL’s em Portugal e também aqui o painel esteve em sintonia, nomeadamente no que diz respeito ao volume de transações que poderá vir para o mercado nos próximos anos, o qual será muito menor do que os anos dourados de 2018 e 2019: altura em que se registaram volumes de investimento a rondar os 9 mil milhões de euros em transações secure e unsecure no mercado português. Espera-se assim, que 2022 feche num nível bem mais ténue e abaixo do que se verificou em 2021, ano em que se transacionou entre 3 mil milhões e 4 mil milhões de NPL´s. 2022 é expectável que feche entre os 1.5 mil milhões e os 2 mil milhões de euros, uma vez que as condições de mercado a partir do segundo semestre do ano se deterioraram e alguns portefólios que eram para ser lançados, acabaram por não acontecer, nomeadamente o Minerva, do Novo Banco, e o Project Douro, do Montepio.
No imobiliário tradicional, 2022 deverá encerrar perto dos 3 mil milhões de euros de volume de investimento, um ano francamente positivo e a aproximar-se dos anos de 2018 e 2019 (ambos acima dos 3 mil milhões de euros). Importa, no entanto, referir que há uma grande transação de ativos hoteleiros com um montante muito significativo que, a não fechar este ano como previsto, terá um impacto significativo no volume total de investimento este ano. As perspetivas futuras são mais modestas e espera-se que 2023 revele um volume de investimento menor, principalmente durante os primeiros 6 meses do ano, uma vez que continuamos a antecipar que se verifique um desfasamento de expetativas de preço entre vendedores e compradores e, portanto, ausência de transações.
Por fim, falou-se ainda de como a atual conjuntura está a afetar as avaliações imobiliárias em Portugal. De facto, estamos a atravessar momentos de grande incerteza e isso dificulta a vida dos avaliadores, devido a ausência de transações e, consequentemente, de comparáveis que indiquem um caminho. Além disso, o mercado vem de um contexto francamente positivo, onde as avaliações dos ativos refletiam uma conjuntura de mercado mais positiva, com os valores a crescer. Estamos agora num período onde as yields estão a subir em todos os setores do imobiliário comercial e isso reflete-se em ajustes de valores em baixa. É uma realidade que já não vivíamos há algum tempo (exceto, pontualmente, no Covid) e em contraciclo com a performance do mercado ocupacional, onde os fundamentais estão cá todos e a procura é muito superior à oferta existente. Efetivamente, em termos operacionais, os ativos imobiliários mostram uma performance bastante positiva, com anos recorde a níveis de take up, quer em escritórios, quer em industrial e logística, com as rendas a subir.
No entanto, o contexto do mercado de capitais é de facto muito desafiante e isso não pode ser ignorado e é muito por aí que reside o desafio das avaliações hoje em dia. A questão que se coloca agora é perceber até onde a performance dos ativos imobiliários se consegue manter com a mesma robustez ou se, pelo contrário, essa robustez poderá vir a cair nos próximos meses. Nessa altura veremos o valor das avaliações a ser afetado também ao nível operacional e não somente pela via do contexto atual do mercado de investimento.
*Artigo escrito para o Dinheiro Vivo